Navio Kathrin — quando a sonsice pode matar
A ONU estima terem morrido, entre outubro e março de 2024, em Gaza, mais crianças do que o total das que morreram em todos os conflitos do mundo juntos, entre 2019 e 2022 — o que inclui meses da invasão da Ucrânia.
Até maio, foram identificadas cerca de 8 mil crianças que morreram vítimas de bombardeamentos por parte de Israel. É aproximadamente o número de crianças que existe no concelho de Ponta Delgada. Antes do fim de março, já tinham sido largadas 25 mil toneladas de bombas em Gaza — um território em que estão deslocadas mais de um milhão de pessoas e com uma área menor do que a da ilha Terceira.
É neste contexto de genocídio que seguem a bordo do navio cargueiro Kathrin (MV Kathrin IMO 9570620, MMSI 255806285) oito contentores de explosivos RDX Hexogen. Segundo Yvonne Dausab, Ministra da Justiça da Namíbia, “após uma investigação aprofundada pela Força Policial da Namíbia, ficou claro que o navio transporta de facto material explosivo destinado a Israel.”. Consequentemente, a 24 de agosto o Governo Namibiano proibiu que o navio em questão fizesse escala no porto de Walvis Bay, obrigando-o a permanecer fora das suas águas.
É um assunto da maior seriedade, que foi tratado como tal pelo Governo da Namíbia.
Ora, este navio foi registado no Registo Internacional de Navios da Madeira, pelo que o navio arvora pavilhão português.
A atribuição de bandeira a um navio obriga o Estado que a concede a fazer cumprir as normas jurídicas desse Estado, incluindo, as normas de Direito Internacional que o vincula. Assim, o Governo português tem a obrigação de assegurar que a concessão de bandeira nacional a uma embarcação não é usada para ações que contribuam para a prática de crimes de genocídio.
Eis que entra em cena Paulo Rangel, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa. A 29 de agosto, Rangel decide fazer tábua rasa do trabalho de investigação da polícia da Namíbia e declara que o navio “não transporta armas, nem munições, nem material de guerra, embora transporte explosivos”. Rangel esclarece ainda que “os dois destinos que estão certificados são Montenegro e Eslovénia”.
Como é óbvio, o destino do navio pouco importa. Realmente importante é o destino final da sua carga. É também claro que o foco deve estar na finalidade que os explosivos terão e não no facto de estes, à data, ainda não terem sido transformados em armas. São declarações de uma sonsice asquerosa.
Dois dias depois dos comentários de Rangel, a Relatora Especial da ONU, Francesca Albanese, mostrou-se “extremamente preocupada com o potencial patrocínio do navio por parte de Portugal e com o facto de facilitar a entrega do Kathrin”. Disse ainda que “Isto pode ser uma violação da Convenção sobre o Genocídio”.
Ontem, segunda-feira, o Bloco de Esquerda entregou na Procuradoria-Geral da República uma exposição sobre este assunto cuja leitura muito aconselho.
Rangel pode fazer-se de parvo à vontade, desde que não enquanto Ministro de Portugal. Quando está em causa um genocídio, esta atitude é indesculpável.
O navio deverá chegar a Bar, no Montenegro, a 27 de Setembro. É hora de agir, impedindo que a sonsice de Rangel tenha consequências terríveis. Pressionemos os nossos governantes a parar este navio!