A pobreza, o RSI e a velhacaria
O recente relatório do Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza veio reforçar algo que não é novidade: os Açores têm um gravíssimo problema de pobreza, que se tem agravado desde que a região é desgovernada pela AD.
Os números mais recentes — relativos a rendimentos auferidos em 2022 — situam o limiar da pobreza nos 591€ mensais. Nesse período, cerca de 63 mil açorianos viviam em situação de pobreza. Tendo em conta que, desde 2022, o número de desempregados se situa abaixo dos 8 mil, conclui-se que, entre cada 8 pessoas em situação de pobreza, pelo menos 7 não estão desempregadas — muitas trabalham, ou são crianças ou são idosas. Mais preocupante do que a RAA ser a região do país com a maior taxa de pobreza, é o aumento da sua incidência: em dois anos subiu de 21.9% para 26.1%.
Ora, o Rendimento Social de Inserção (RSI) não se destina a quem vive em situação de pobreza. Destina-se apenas a quem se encontra em situação de pobreza extrema. Em agosto de 2024, existiam cerca de 7 mil beneficiários do RSI nos Açores — incluindo muitos menores, idosos e quem trabalhe — que receberam, em média, 106€ mensais.
Para que alguém que viva sozinho tenha direito ao RSI, é necessário que a soma dos seus rendimentos mensais seja inferior a 237€. Caso esta pessoa tenha rendimentos mensais de 137€, o valor do apoio serão os remanescentes 100€. Assim, este subsídio eleva os rendimentos dos que vivem em pobreza extrema até um patamar que corresponde a menos de metade do limiar da pobreza. O valor máximo dos rendimentos é majorado em 166€ por cada adulto adicional no agregado familiar e em 119€ por cada menor. Uma família composta por dois adultos, duas crianças e dois idosos pode receber o RSI, apesar de um dos adultos trabalhar a tempo inteiro. Imaginemos a sua condição económica.
Foi neste contexto que, quinta-feira passada, se votou uma iniciativa do Chega recomendando ao governo “a adoção de medidas eficazes no combate à fraude no âmbito da atribuição do rendimento social de inserção, do subsídio de desemprego e do subsídio de doença”. Apesar do título, José Pacheco não escondeu ao que vinha, ao afirmar, na apresentação da iniciativa, que “temos de acabar com o RSI”.
Se do Chega não esperava outra coisa, preocupa-me seriamente que o voto tenha sido aprovado com os votos favoráveis do PSD, CDS, PPM e IL — e com a abstenção do PAN.
Ainda a propósito deste episódio, há que chamar a atenção para a declaração de voto velhaca do líder parlamentar do PSD/Açores. João Bruto da Costa disse que “há cerca de 4 anos o valor médio do subsídio era na ordem dos 70-80€; o que nós temos agora é um valor médio de 323.50€ por família”. Sejamos claros: de agosto de 2020 até agosto de 2024, o subsídio médio por beneficiário subiu, nos Açores, de 86€ para 106€. Tendo em conta a inflação, 86€ em 2020 são equivalentes a 101€ hoje. Acresce que até a subida de 101€ para 106€ é alheia ao governo regional, sendo os parâmetros do RSI definidos pela República.
Na sua intervenção, Bruto da Costa falou ainda do “bom uso dos dinheiros públicos e da justiça social que deve ser dada àqueles que realmente necessitam”. Ora, o RSI é uma medida de proteção social insuficiente e, consequentemente, pouco dispendiosa: o custo mensal, pago pela República, foi inferior a 750 mil euros no passado mês de agosto.
Por oposição, um péssimo uso do erário público foi o recente ajuste direto, entre a EDA e a BENCOM, no valor de 50 milhões para fornecimento de fuelóleo a um preço sensivelmente 10% superior àquele proposto pelo regulador. Milhões pelo cano, num contrato assinado num sábado.