Centenas de milhares em risco de morrer à fome
Apesar de termos tido em Portugal manifestações de milhares de pessoas em defesa da paz no médio oriente, é necessária uma agitação social muito mais veemente, tendo em conta o envolvimento dos nossos aliados no genocídio e a normalidade das relações entre Portugal e o Estado sionista.
O facto de prestarmos insuficiente atenção aos horrores em Gaza é, em parte, causado pela distância física que nos separa e por não conhecermos quem lá vive.
Durante o ano em que morei em Paris, a minha segunda casa foi um snack-bar gerido por uma família palestiniana, onde tive o privilégio de comer muitas dezenas de vezes. Os primos Mustafa e Ahmed sempre fizeram questão de cumprimentar em português os seus fregueses lusos, e mantinham-se a par dos resultados dos nossos clubes de futebol na champions. Nos dias em que o Benfica ganhava, Mustafa dizia-me: ‘Hoje o teu pai deve estar satisfeito’. Das vezes em que chegava a Paris vindo dos Açores, trocava com eles queijadas da Vila e da Graciosa por baklava e bolo namoura.
Estes primos querem muito visitar a nossa região, e seria uma grande sorte a nossa se eles trouxessem a sua boa disposição e a sua cozinha para as nossas ilhas! Contudo, seria impossível explicar-lhes o porquê de, em Julho de 2024 — em pleno genocídio —, tanto Bolieiro como Luís Garcia, presidente da assembleia regional, terem recebido o embaixador sionista.
Um outro aspeto que contribui para a nossa relativa apatia é este desenrolar de horrores não ser novidade. Há mais de um ano que Israel mata civis e rebenta tudo, sistematicamente. Assim, é difícil dar a devida atenção a cada bombardeamento escolar e a cada cerco hospitalar, neste massacre incessante.
É necessário um esforço deliberado para evitar a indiferença relativamente a ter 30 mil, 40 mil ou 50 mil palestinianos mortos, como consequência direta das bombas israelitas, estadunidenses e alemãs. O mais natural é deixarmos de nos apoquentar com os recém-defuntos que se vão juntando às centenas de milhares de vítimas indiretas, segundo estimativas publicadas na prestigiada revista médica The Lancet. Mas temos a obrigação de fazer esse esforço: de reconhecer, em cada morte, uma morte a mais.
Importantíssimo neste contexto é o excelente documentário Investigating war crimes in Gaza, da Al Jazeera. É um trabalho que conjuga os números com uma perspetiva humana, que retrata o sofrimento de uns e a crueldade de outros. Comprova práticas de tortura; de violações em público; de violações através de cães; do uso de civis como escudos humanos e como batedores, sob controlo de drones. Israel faz isto tudo e são os próprios soldados que se incriminam nas suas redes sociais. Apesar de ser dificílimo de se ver, aconselho o documentário a todos os adultos que se sintam capazes.
Não parece possível, mas a situação tem vindo a agravar-se rápida e terrivelmente: a 26 de outubro, a subsecretária-geral interina para os Assuntos Humanitários e coordenadora da ajuda de emergência da ONU, alertou para o facto de que “Toda a população do norte de Gaza está em risco de morrer”. O tempo verbal é muito importante: o genocídio em Gaza não aconteceu — o genocídio em Gaza está a acontecer. As pessoas estão a morrer à fome.
Aos civis mortos em Gaza, somam-se os na Cisjordânia e no Líbano; somam-se os ataques israelitas aos soldados e às agências da ONU. Há muito que não podemos alegar ignorância. Tarda o boicote, tarda o desinvestimento, tardam as sanções. Pressionemos os nossos representantes através de protestos, manifestações, cartas e emails. Lutemos hoje pelos direitos humanos!