Englobamento no Orçamento do Estado

A elaboração do Orçamento do Estado revela muito mais sobre os partidos do que qualquer soundbite, debate-relâmpago ou tarja-circense. As posições das várias forças políticas ficam particularmente evidentes aquando das votações das propostas de alteração.

Das propostas que visaram a alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (CIRS), focar-me-ei apenas nas três que são relativas ao artigo 22º — ao englobamento. É, admitidamente, um assunto obscuro. É, também, muito importante, visto este artigo do CIRS ser capaz de redistribuir muitos milhões de euros. Para além disso, o englobamento constitui uma pista fortíssima sobre que interesses verdadeiramente movem cada grupo parlamentar.

O IRS é calculado com base nos rendimentos auferidos ao longo do ano. Para a enorme maioria das pessoas, o rendimento advém principalmente do seu trabalho ou da sua pensão. Mas existem diversas fontes de rendimento: os aforradores recebem juros pelos seus depósitos bancários (ou Certificados do Tesouro); os senhorios cobram rendas; os acionistas embolsam dividendos; e os especuladores capitalizam as mais-valias. Tudo isto é contabilizado.

O CIRS detalha normas específicas para as diferentes categorias de rendimento (de que são exemplo o salário, as pensões, as rendas, etc.). O que geralmente acontece é a compartimentalização do rendimento nas diversas categorias e a taxação de cada parcela de acordo com as regras próprias. No entanto, existe uma outra forma de calcular o valor do IRS a pagar: consiste em somar os vários valores e aplicar a taxa correspondente a esse nível de rendimento global — o chamado englobamento.

Consoante a fórmula escolhida, pode pagar-se mais ou menos IRS. Na generalidade das famílias, o rendimento acaba por ser tributado sem englobamento. O rendimento proveniente dos juros — havendo-o — é taxado em 28%. Para rendimentos até aos 1800€ mensais, o imposto seria menor em regime de englobamento. Chegaria mesmo aos 0%, caso a renumeração total fosse inferior ao salário mínimo. O desconhecimento leva a que se pague demais.

Por oposição à tabela do IRS — que é progressiva — e contrariamente ao estipulado na Constituição, estes 28% são uma taxa fixa. É esta a taxa liberatória aplicada, por exemplo, ao herdeiro que capitalize, anualmente, um milhão em juros. Alguém com um salário bruto anual de 50.000€ pagará, em 2024, uma taxa de IRS superior à do herdeiro — que ganhou vinte(!) vezes mais, sem mexer uma palha.

Assim, o não-englobamento tem duas consequências nefastas: por um lado, aplica taxas demasiado altas à grande maioria dos contribuintes; por outro, leva a que rendimentos ilimitados, obtidos por via do capital, usufruam de taxas muito inferiores àquelas pagas por salários que, sendo altos, são incomparavelmente inferiores.

O não-englobamento é uma prática injustificável: beneficia imensamente os pouquíssimos do costume, a expensas de todos os restantes. As propostas do BE e do PCP de fechar este buracão que permanece no CIRS foram chumbadas pela AD com abstenção do PS. O englobamento obrigatório permitiria desonerar praticamente toda a gente.

Por sua vez, a IL e o CH têm outros planos: votaram favoravelmente a proposta de expandir o regime de não-englobamento de modo a incluir mais-valias resultantes de valores mobiliários detidos por menos de um ano. Isto é, querem estender a quem especula a curto-prazo as benesses que os herdeiros e especuladores de médio-prazo têm. Ou seja, mais impostos para os restantes e/ou piores serviços públicos.

Escrevam isso nas próximas tarjas.