[draft] Reféns da BENCOM até quando?

Desde 2010 que está em vigor um contrato que obriga a Eletricidade dos Açores (EDA) — empresa maioritariamente pública — a comprar à BENCOM todo o fuelóleo que a EDA necessite. Sendo o fuelóleo o combustível usado para gerar a maior parte da eletricidade açoriana, este é um contrato de grandes dimensões: entre 2013 e 2021 a EDA pagou 375M€ à BENCOM.

Se qualquer contrato desta dimensão já merece escrutínio, o facto de o Grupo Bensaude (GB) deter 100% da BENCOM e 39.7% da EDA — sendo que a Região Autónoma dos Açores (RAA) detém 50.1% — deve incitar uma atenção redobrada, dada a influência do GB na EDA.

Do ponto de vista do GB, os incentivos são simples: o interesse do GB é que o preço do fuelóleo seja tão alto quanto possível. Por cada euro de combustível vendido acima do preço de mercado, o GB tira 40 cêntimos do bolso direito (quando a EDA perde 1€, o GB perde 0.40€) e mete 1€ no bolso esquerdo: cada euro de lucro da BENCOM é 1€ de lucro do GB — a expensas dos restantes acionistas da EDA. Do ponto de vista da RAA, ainda mais simples: por cada euro que a EDA poupe na compra do fuelóleo, a RAA poupa 0.50€.

Neste cenário, em que a RAA controla a EDA, o normal seria observar o preço de mercado. Mas não foi isso que aconteceu: o interesse do GB prevaleceu e o contrato fixou um preço demasiado alto. Segundo o Relatório e Contas da EDA e a resposta da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) ao Requerimento 10-EI/XV/1, a EDA pagou à BENCOM 22M€ acima do valor aceite pelo regulador, entre 2010 e 2021. Importa esclarecer que o valor estipulado pelo regulador já tem em conta os custos da insularidade.

Outro indício de que o Estado subsidia injustificadamente a BENCOM prende-se com o facto de que a rendibilidade líquida das vendas da BENCOM é incomparável à média do setor — isto enquanto a grande maioria do volume de negócios advém de vendas à EDA. Por exemplo, em 2020, a BENCOM faturou 44M€, 33M€ dos quais à EDA. Os lucros líquidos foram de 3.9M€ (6.4M€ se contarmos com ganhos das subsidiárias), sendo a rendibilidade de 9% — que compara com menos de 1% para a média do setor. O regulador considerou que a EDA pagou 3.3M€ a mais nesse ano. Assim, parece-me evidente a causa desta rendibilidade astronómica.

Passaram-se dois anos desde que, no rescaldo das notícias sobre os valores que o regulador considerou injustificáveis, se soube que o contrato não seria renovado. Apesar de me parecer tempo suficiente para encontrar uma alternativa viável, o caso vai de mal a pior. A 28 de setembro de 2024, sábado, foi assinado um novo ajuste entre a EDA e a BENCOM. Mais 50M€, por 9 meses de fuelóleo. Ouvido no parlamento regional, foi o próprio presidente do Conselho de Administração da EDA que explicou que este contrato impõe um acréscimo no preço do combustível de aproximadamente 10% relativamente ao preço aceite pelo regulador. Isto significa pagaremos cerca de 5M€ acima do valor justo. O GB só pode estar muito satisfeito com a capacidade do atual presidente do conselho de administração da BENCOM — e ex-presidente do PSD/Açores, Victor Cruz — negociar com este governo e com os que o antecederam.

Temos um eixo AD-CH que vocifera contra o RSI que custa zero à Região — o custo total do RSI nos Açores é de cerca de 9M€ anuais, pagos pela República —, mas que, não só não vê o problema em oferecer 5M€ ao GB num sábado, como ainda impede a audição do regulador no parlamento regional.

E se, em vez de 10%, a BENCOM nos exigir 20% da próxima vez? Ou 100%? A RAA não pode deixar-se ficar refém. Deve avançar-se para o anúncio de um investimento público vigoroso que garanta a soberania energética. Começando por aí, não tardará até que o GB deixe de abusar de uma posição que só é dominante devido à complacência do governo.