A tecnologia e a tragédia da família al-Najjar
Há menos de uma semana, em Gaza, um ataque aéreo atingiu a casa da pediatra Alaa al-Najjar, matando 9 dos seus 10 filhos. Este bombardeamento insere-se numa onda de mais de 100 ataques, que mataram mais de 70 pessoas em 24 horas. Alaa al-Najjar estava de serviço no hospital, a tratar outras vítimas, quando recebeu os corpos das suas crianças — a mais velha com apenas 12 anos.
Victoria Rose, uma voluntária no hospital, reagiu ao vídeo das consequências do ataque, dizendo: “O vídeo mostra as crianças a serem retiradas do fogo e estão absolutamente carbonizadas. É tão horrível”.
O ataque aconteceu momentos após Hamdi al-Najjar, seu marido, ter voltado a casa depois de a ter levado ao hospital. Hamdi, também médico, está atualmente em perigo de vida.
O modus operandi deste bombardeamento corresponde ao observado aquando do uso da ferramenta de inteligência artificial (IA) “Where’s Daddy?”, que — conforme documentado pela investigação da publicação israelita +972 magazine — notifica os militares da chegada dos seus alvos às próprias residências familiares. Segundo a reportagem do jornalista Yuval Abraham, praticamente não há supervisão humana sobre a decisão do sistema de IA de bombardear os alvos, apesar de ser sabido que, mesmo pelos critérios do exército israelita, o sistema de IA erra frequentemente.
Ao The Guardian, Graeme Groom, outro cirurgião britânico voluntário no hospital, relatou que o pai das crianças “não tem ligações políticas nem militares e não parece ser proeminente nas redes sociais”.
Groom, que operou o filho sobrevivente do casal, afirmou: “Uma vez que ambos os pais são médicos, ele parecia fazer parte do grupo [relativamente!] privilegiado de Gaza, mas quando o levantámos para a mesa de operações, ele parecia ter muito menos de 11 anos”. Esta observação ilustra a atual crise humanitária que António Guterres descreveu como “a fase mais cruel” da guerra. Quando os filhos de médicos sofrem de desnutrição, como estarão os outros?
A ONU tem afirmado repetidamente que a quantidade de ajuda que entra é insuficiente para os mais de 2 milhões de habitantes do território, tendo uma avaliação apoiada pela ONU afirmado este mês que a população de Gaza estava em “risco crítico” de fome extrema generalizada. Segundo a BBC, as mães, subnutridas, não conseguem amamentar os bebés.
Especulação: Spyware e a conivência europeia
A inação quase total da generalidade dos governantes europeus face ao genocídio levanta uma questão perturbadora: que fatores a explicam?
Uma possibilidade especulativa é estar relacionada com o software de espionagem (ou spyware) Pegasus, desenvolvido pelo grupo israelita NSO e sob controlo do governo israelita. Este programa já foi usado para espiar telefones de políticos espanhóis e polacos, entre muitos outros. Catorze países da União Europeia já pagaram para usar este spyware. Tendo Israel a capacidade técnica comprovada de aceder às comunicações privadas de altos quadros europeus, e sabendo esses quadros que podem estar sob vigilância, fica naturalmente a dúvida: estará a espionagem a influenciar a política externa europeia?
Até quando permanecerá o Ocidente conivente com a matança destas crianças? Até quando continuaremos a assobiar para o lado, enquanto os nossos parceiros militares exportam as armas com que se leva a cabo o genocídio? Até quando continuarão os nossos governantes a cumprimentar os embaixadores do genocídio? Exige-se a defesa do povo palestiniano, enquanto ainda o há.