Há algumas semanas, conheci o namorado de uma amiga minha num jantar. Depois de termos passado bastante tempo a falar de política, perguntou-me: “O que te levou a ter esses pontos de vista?”. É o tipo de pergunta que nos tem feito muita falta.

Depois de um ano e 27 textos nestas páginas, parece-me o momento certo para responder publicamente a esta pergunta. E também para fazer uma pausa: este será o meu último texto em 2025. Preciso de tempo para observar, ler e repensar antes de voltar a escrever.

Cresci confortavelmente, numa família ligada ao PSD, sem a necessidade de pensar em política antes da universidade. Não me faltava nada e não estava atento ao que faltava aos outros. Tinha apenas uma preocupação: as alterações climáticas.

Ao entrar na idade adulta, fui-me apercebendo gradualmente das desigualdades à minha volta. Esse processo agudizou-se em 2019, quando, a estudar na Bélgica, apanhei um autocarro noturno de Milão para Bruxelas. A zona da estação de Lampugnano estava nos antípodas da ostentação do Quadrilatero della Moda — a poucos minutos de metro.

Em Bruxelas, o autocarro deixou-nos numa parte da estação de comboios que desconhecia. Já tinha visto muita gente em situação de sem-abrigo, mas nunca algo semelhante. Centenas de pessoas (incluindo crianças) pernoitavam nos pisos inferiores da estação, entre ratos e um cheiro a mijo insuportável. No espaço de horas, vi carros de milhões, as luxuosas galerias de Milão, a pobreza de Lampugnano e as condições absolutamente desumanas em que viviam centenas de pessoas no centro de Bruxelas. Chocaram-me contrastes tão profundos entre realidades tão próximas.

Procurei livros que quantificassem os níveis de desigualdade e encontrei O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty, e o World Inequality Report. Comecei a compreender quão absurda é a distribuição do rendimento, quanto dos frutos do trabalho coletivo é apropriado pelos detentores de capital, e como um sistema em que a rendibilidade do capital supera o crescimento económico agrava as desigualdades. Ficou claro que, num sistema em que a extrema concentração da riqueza é estrutural, é necessária uma redistribuição contínua. Mas como?

Li A Riqueza Oculta das Nações e O Triunfo da Injustiça, de Gabriel Zucman, e vim a trabalhar no EU Tax Observatory, o centro que ele dirige e que estuda a evasão fiscal global. Há boas notícias: graças a acordos de cooperação internacional, é hoje possível saber quem tem o quê. Assim, uma solução que defendo é o chamado “imposto Zucman”, atualmente em discussão em França: um imposto anual de 2% — pago em dinheiro ou em espécie — sobre patrimónios superiores a 100 milhões de euros.

Em Portugal, não temos impostos sobre o património, salvo o IMI, que ignora a maioria dos ativos e não considera dívidas. É urgente inverter o paradigma: tributar o capital, aliviando os impostos sobre o consumo e sobre o trabalho.

Nos Açores — onde cresci sem me faltar nada —, as desigualdades são extremas. A nossa região é a mais desigual de Portugal (tanto segundo o índice de Gini como o rácio S80/20) e apresenta taxas de pobreza e exclusão social comparáveis às da Roménia e da Bulgária.

Por ser o único partido com assento no parlamento regional que faz da redistribuição uma prioridade e não foge da tensão entre o trabalho e o capital, decidi, em 2023, militar no Bloco de Esquerda. É um espaço de debate e solidariedade. É um veículo para que as nossas ideias possam ir a votos e para dar força às que já partilhávamos. Tenho sido inspirado pela dedicação dos meus camaradas às causas que nos movem. Somos poucos, mas já fomos menos.

Abraço e até breve!