A concentração da riqueza em Portugal
Vivemos numa época de duas crises, que estão relacionadas: uma económica e outra política. O atual sistema económico tem-se revelado insuficiente no propósito de elevar a qualidade de vida de grande parte da população — algo que, no meu entender, tem resultado num desinteresse generalizado em relação à política. Cria-se então um ciclo vicioso profundamente antidemocrático, do qual precisamos de sair.
Apesar de todo o progresso tecnológico, a maioria da população ocidental não tem beneficiado, nas últimas décadas, de um aumento significativo de rendimentos — conforme demonstrado por Alvaredo e coautores em The elephant curve of global inequality and growth. Não quer isto dizer que não tenha existido crescimento económico: houve-o, mas foram os mais ricos que o capturaram.
A consequência lógica deste fenómeno é um maior fosso entre os rendimentos dos ricos e os dos restantes. Segundo os dados mais recentes da World Inequality Database, os portugueses no top 1% dos que mais auferem levam para casa 10% do rendimento disponível no país, enquanto a metade que menos ganha fica, coletivamente, com 20%. Isto significa, sem exagero, que alguém do primeiro grupo ganha num dia o que os outros recebem por um mês inteiro de trabalho.
O caso é mais extremo no que toca à distribuição da riqueza — o que é expectável, dado que só se poupa quando se tem folga. Com efeito, o top 1% mais rico tem 25% da riqueza nacional, enquanto toda a metade menos afortunada detém menos de 4%. Feitas as contas, um rico possui mais de 300 vezes o património de alguém desta metade.
Há que notar que o top 1% mais rico está longe de ser um grupo homogéneo. Para entrar neste grupo, é necessário um milhão de euros em património. Mas a riqueza média do grupo é superior a três milhões. Como sabemos, existe um grupo de super-ricos que, ao invés de possuir 300 vezes mais que os outros, tem muitos milhares de vezes mais.
Esta não-distribuição da riqueza torna evidente o esgotamento do sistema económico vigente. As suas graves limitações têm criado muita frustração e estão a precipitar a exaustão do nosso sistema político.
Atualmente, a participação política das pessoas tende a reduzir-se a meia dúzia de idas às urnas, a cada ciclo de quatro ou cinco anos — para a metade que lá se dirige. Destes, uns nem se dão ao trabalho de desenhar a cruzinha, outros dão asas à imaginação com rabiscos originais (ou nem tanto…), e muitos optam por votar é-agora-que-eles-vão-ver,-estes-políticos-são-todos-iguais!.
Este desinteresse generalizado, aliado à absurda concentração do poder económico, permite que um grupo reduzido de pessoas tenha uma influência desmedida e que tudo lhes seja permitido. Ainda neste mês, ficámos a saber que os cerca de 150 jatos privados registados em Portugal poluem anualmente o equivalente a 140 mil portugueses — mais que a população da ilha de São Miguel.
Para além disso, devemos ter em conta que, atualmente, não há muito que impeça a compra de uma ilha açoriana, à semelhança do que aconteceu em Lanai, no Havaí. Esta ilha, com uma população residente de mais de 3 mil pessoas, e com uma área comparável à da ilha Terceira, é hoje detida em 98% por um bilionário.
Estas situações indiciam um grande défice democrático. Para escapar a este ciclo vicioso explosivo de desigualdade e desinteresse, é urgente substituir este sistema económico por um que distribua por todos os proveitos dos avanços tecnológicos. Esta é uma reflexão que aprofundarei num próximo artigo.
É preciso refletir criticamente e conversar — com mais dados e mais tempo — com os nossos pares. Só assim poderemos caminhar para um futuro verdadeiramente democrático.