[draft] Dívida à EDA: quantos milhões em juros? Para quem?
Ao longo da última década, a Região Autónoma dos Açores (RAA) tem acumulado dívidas à Eletricidade dos Açores (EDA) — com os hospitais da região a dever-lhe, no final de 2024, mais de 26M€. Consoante os juros cobrados pela EDA, esta dívida tem o potencial de sair muito cara a quem vive nos Açores, pelo que é crucial perceber os interesses envolvidos.
Fosse a EDA uma empresa totalmente pública, a questão teria pouca relevância: os juros pagos pelos hospitais à EDA representariam, no quadro geral, tirar dinheiro de um bolso e pô-lo no outro. No entanto, a EDA é detida em 50.1% pela RAA, em 40% pelo Grupo Bensaude (GB) e em 10% pela EDP.
Desta estrutura acionista advêm duas consequências imediatas: a primeira é que a RAA detém o controlo da EDA; a segunda é que metade dos juros são pagos ao GB e à EDP.
A dívida dos hospitais à EDA não é um caso sem precedentes. Em novembro de 2021, foi tornado público que, um ano antes, a 12 de novembro de 2020, a RAA e a EDA haviam celebrado um acordo de pagamento relativo a uma dívida de 6.5M€. Esta dívida referia-se ao fornecimento de iluminação pública entre agosto de 2012 e setembro de 2020.
O acordo previa a aplicação de taxas de juro astronómicas, entre 7% e 8% anuais, que resultariam no pagamento adicional de mais de 2.3M€, apenas em juros.
Felizmente, a situação não passou despercebida e, em fevereiro de 2022, deu entrada na Assembleia Legislativa da RAA o Projeto de Resolução do BE com vista à redução da taxa de juro a aplicar à dívida. O documento, que afirmava que “uma taxa de juro tão elevada […] é reprovável pois abdica de defender o interesse público, beneficiando assim os acionistas privados da EDA”, foi aprovado por unanimidade, em plenário, a 10 de maio de 20221.
A taxa de juro a aplicar no caso da iluminação pública ficou estabelecida, após renegociação, em 4%–ainda demasiado alta, tendo em conta as condições macroeconómicas de então. Mesmo assim, resultou numa poupança efetiva de 980 mil euros2.
Naturalmente, no caso da dívida dos hospitais, a ordem de grandeza é outra: ao invés de uma dívida de 6.5M€, a dívida é de 26M€ e data desde 2015. À taxa de 7%, seriam, pelo menos, 11.5M€ apenas em juros. A 2%, o valor rondará os 2.8M€. A RAA não pode permitir que uma empresa sob o seu controlo, mas com acionistas privados, lhe aplique taxas de juros superiores àquelas a que Região se endivida nos mercados.
Não faltam razões para preocupação: o Governo Regional não tem sido capaz de responder aos requerimentos sobre este assunto com a mínima consistência. Em junho de 20242, afirmou que a Região tinha pago à EDA 135 mil euros entre 2021 e 2023, relativos a faturas de fornecimento de energia elétrica ao Hospital do Divino Espírito Santo. No entanto, no mês passado3, este valor foi atualizado para 3.84M€—com todos os montantes anuais corrigidos em relação à resposta anterior. Também no caso do Hospital Santo Espírito da Ilha Terceira, nenhum valor coincide entre as duas respostas, do mesmo executivo, à mesma pergunta.
O caso é tão grave que custa a acreditar. Cabe a este Governo – que há poucos meses permitiu que a EDA comprasse combustível ao GB num ajuste direto de 50M€, assinado num sábado e 10% acima do preço proposto pelo regulador – a responsabilidade de defender o interesse público face ao mesmo GB, cujo presidente foi líder do PSD/Açores.
Está em causa não apenas a saúde financeira dos hospitais, mas a própria idoneidade do Governo. Avançará o executivo para a renegociação destas dívidas, salvaguardando os nossos hospitais da usura?