A lucidez de Milton Friedman
Na semana passada, enquanto estive na Graciosa, ouvi os meus avós, que vivem lá, queixarem-se da falta de gente na ilha — em particular, gente jovem. Uma realidade que é comum a várias das nossas ilhas mais pequenas. Nesses dias, interagi com cerca de duas centenas de desconhecidos com o objetivo de organizar uma conversa política no centro da vila. Os estrangeiros com quem me cruzei eram, na sua grande maioria, turistas.
Nessas conversas, o tema que os locais mais frequentemente puxaram foi o da imigração. Numa ilha com um histórico de muita emigração, muitas pessoas pareceram-me preocupadas, quando não mesmo revoltadas, com a chegada a Portugal de trabalhadores da Índia, do Bangladesh, do Nepal, et cetera.
Nas nossas ilhas, não sentimos desconforto por ter vizinhos novos com costumes diferentes: praticamente nem os temos. O que parece incomodar é o aspeto financeiro de estarmos a pagar impostos para, alegadamente, sustentar gente a quem tudo é entregue de mão beijada. Disseram-me: “a pensão da minha mãe teve cortes enormes com a troika, e vêm esses e andamos a dar-lhes milhares, sem sequer trabalharem” e “o meu problema não são os imigrantes legais; agora esses subsídios todos aos ilegais é que não pode ser!”. Quanto à logística de entregar subsídios a quem o Estado ignora estar por cá, deixo à imaginação de cada um.
Temos, evidentemente, um problema grave relacionado com a imigração. Desengane-se quem acha que esta desinformação e estes mitos sobre os migrantes se devem ao acaso ou à estupidez. Estas fábulas dão um jeitão aos muito poucos que têm muito dinheiro e poder — e que fazem por as disseminar.
Vídeos de imigrantes (ou romani) ricos e malandros, cheios de notas e carros bons, servem um duplo propósito. O primeiro é permitir levar a cabo políticas chamadas de “anti-imigração”, mas que mais não fazem do que dificultar a regularização das pessoas, substituindo uma força laboral de imigrantes legais por imigrantes ilegais.
Conforme explicou lucidamente Milton Friedman — Nobel da Economia adorado por muitos liberais —, do ponto de vista dos empregadores, os imigrantes querem-se ilegais: “aceitam empregos que a maioria dos residentes deste país não está disposta a aceitar, fornecendo-lhes um tipo de mão de obra que eles não conseguem obter de outra maneira”. Podem ser pagos abaixo do salário mínimo, e sem necessidade de descontos para a Segurança Social. Por sair mais barata, a mão de obra ilegal cria sérios problemas aos restantes trabalhadores, que são preteridos, e dá grandes borlas aos piores patrões. Será de estranhar que a elite portuguesa financie o CH?
O segundo é torná-los bodes expiatórios das permanentes crises em que vivemos. Em vez de culparem quem contrata imigrantes em situação irregular, pagando-lhes uma miséria e assim acumulando grandes lucros, o vídeo viral — e artificial — de alguém mais moreno ostentando riqueza, leva a que sejam os imigrantes mal pagos e absolutamente precários o alvo da fúria popular.
Trata-se de uma estratégia concertada de manipulação dos sentimentos viscerais das pessoas: “ricos sempre os tivemos, e sempre trabalhámos para eles — mas vir aquele tipo e passar-me à frente é que não!”. Nos Açores, e não só, estas retóricas só servem para iludir as pessoas.
A revolta face a uma economia que não serve a maioria é compreensível. Aliás, é mesmo desejável — basta-nos a lucidez que Friedman teve.
Palestina
Há duas semanas, votou-se o reconhecimento do Estado da Palestina na Assembleia Regional e na da República. O resultado foi o chumbo das propostas, com os votos contra da AD, PPM e CH. Saúdo o voto favorável de Nuno Barata (IL), em sentido contrário ao da posição nacional do seu partido.
Numa altura em que, na Palestina, crianças morrem à fome e civis são assassinados quase todos os dias na fila para obter alimento, Paulo Estevão decidiu atirar o debate para a lama, perguntando ao proponente se reconhecia o Holocausto. Só num executivo absolutamente sem escrúpulos tem Estevão condições para se manter como Secretário.