Uma pessoa da minha família disse-me: “Não sei por que estás sempre a escrever sobre a Palestina… é tão longe”. Para mim, não é: fui colega do Atem enquanto estudava na Bélgica e, mais tarde, em França, tive como amigo o Mustafa. Fui muitas dezenas de vezes ao Le Soleil, um snack-bar palestiniano no sul de Paris. Tive essa sorte.

Mas não é preciso conhecer nenhum palestiniano pessoalmente para perceber que são seres humanos. Gente que Israel trata como carne para canhão — uma expressão que já nem faz sentido, tal é a gravidade da fome. São pessoas de pele, ossos e de uma humanidade que teimamos em não querer ver. Nos Açores, apesar da forte tradição cristã, são muitos os que desprezam o que se tem vindo a passar em Belém, Jerusalém e no restante dos territórios ocupados.

Aliando-se à nossa falta de interesse, a liderança israelita faz o que pode para impedir que o genocídio em Gaza chegue aos olhos do mundo: através da proibição da entrada de jornalistas internacionais em Gaza e do assassínio de pelo menos 186 jornalistas palestinianos, segundo a ONG estadunidense Committee to Protect Journalists. Um estudo da Watson School of International and Public Affairs afirma que foram assassinados mais jornalistas em Gaza do que o total dos que foram mortos no conjunto de ambas as guerras mundiais, da guerra do Vietname, das guerras na Jugoslávia e da guerra do Afeganistão.

Domingo passado, seis trabalhadores dos media foram mortos numa tenda de imprensa no exterior do hospital al-Shifa, num ataque prontamente assumido pelas forças israelitas. Um desses mártires era o repórter da Al Jazeera Anas al-Sharif, de 28 anos e pai de duas crianças. Al-Sharif deixou preparado um comunicado, que o The Guardian publicou postumamente, em que pedia que não nos esqueçamos de Gaza. Já não vamos a tempo de impedir a morte deste jornalista, mas cabe-nos lutar pelo futuro de Sham e de Salah, seus filhos. E pelo de tantos outros órfãos.

Se a Palestina nos é “distante”, o Estado que a tenta destruir é-nos próximo. A União Europeia (UE) é o maior parceiro comercial de Israel: mais de um terço das suas importações têm origem na UE, e mais de um quarto das suas exportações tem a UE como destino. No plano da cultura e do desporto, Israel participa na Eurovisão e é membro da UEFA — tendo o Maccabi Haifa e o Hapoel Beer Sheva participado na qualificação para a UEFA Conference League, juntamente com o Santa Clara.

No que diz respeito à associação entre Portugal e Israel, deve notar-se que, em 2023, os israelitas contabilizaram 40% dos adquirentes da nacionalidade portuguesa. Foram mais de 16 mil — comparando com cerca de 3 mil de adquirentes para o conjunto dos restantes países asiáticos. Os dados do INE revelam que, entre 2020 e 2023, 70 mil israelitas passaram a ser portugueses.

Assim, a capacidade de influência que Portugal e a UE têm sobre Israel é incomparável à que temos sobre países como a Coreia do Norte, com que não temos relações. Portugal tem a obrigação de usar todos os meios não-violentos que tem ao seu dispor para pressionar o Estado genocida a acabar com as atrocidades.

O acordo de associação entre a UE e Israel, que rege as trocas comerciais entre ambas as partes, estipula no seu artigo segundo o respeito pelos direitos humanos. Como tal, espera-se que os nossos governantes, tanto a nível regional como nacional, se manifestem a favor da sua suspensão — até que Israel respeite os direitos humanos. Tanto Espanha como a Irlanda já defenderam esta suspensão, que causaria graves problemas à economia israelita. Aproveitemos a proximidade a Israel para defender, com dentes mas sem armas, os direitos humanos.