Quando visitei a Irlanda, reparei que era semelhante aos Açores em vários aspetos: é uma ilha verdejante no Atlântico norte, com uma população bem-humorada, com uma diáspora numerosa, com sotaque carregado e sem medo de chamar os bois pelos nomes. Até nas paisagens existem vários paralelos, como é o caso dos Cliffs of Moher (um dos ex libris da ilha), que fazem muito lembrar a vista que temos do miradouro de Santa Iria.

Para além disso, durante vários séculos, foi — tal como nós — administrada remotamente por um executivo colonialista. Em 1845 começou a Grande Fome irlandesa, que durou cerca de cinco anos e levou à morte de cerca de um milhão de irlandeses e à emigração de outros tantos, principalmente para os EUA e Canadá. Esta fome foi muito exacerbada por fatores político-sociais — em particular pelo desrespeito que a potência colonial (Inglaterra) teve pelas vidas irlandesas.

Essa memória faz com que, hoje, a Irlanda não hesite em opor-se a potências colonialistas: em maio de 2024, reconheceu o Estado da Palestina (ao mesmo tempo que Espanha e a Noruega); mais tarde, juntou-se à África do Sul, acusando, no Tribunal Internacional de Justiça, Israel de genocídio em Gaza; e, em maio passado, anunciou legislação banindo importações de produtos originários de colonatos nos territórios palestinianos ocupados.

Em Lisboa, a direita tem impedido o reconhecimento português do Estado da Palestina, com desculpas esfarrapadas. Mas e o que dizer do apoio que tem sido dado a Israel a partir dos Açores? Felizmente, nunca vivemos sob ocupação, nem nunca se tentou um genocídio contra o nosso povo. Ainda assim, a memória do passado que nos levou a reclamar a nossa autonomia deve impelir-nos a uma profunda solidariedade para com os palestinianos.

Esta semana, o BE deu entrada na nossa Assembleia Legislativa (mais) um projeto de resolução que a insta a defender “o reconhecimento do Estado da Palestina pelo Governo da República, de forma imediata e incondicional, com as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias de 1967, em conformidade com o Direito Internacional e com as resoluções das Nações Unidas” e a dar conhecimento disso à Assembleia da República e Governo da República.

Dado ter sido solicitada deliberação de urgência, o projeto de resolução deve ser votado ainda esta semana. São de esperar os votos favoráveis do BE, PS e PAN, tendo em conta as posições que estes partidos têm tomado na República — sendo que estes representam 25 votos favoráveis, dos 29 necessários.

Acredito existirem pelo menos mais quatro deputadas/os na nossa assembleia comprometidas/os com os direitos humanos. E, por que a democracia representativa é levada a cabo por representantes com nome, interpelo diretamente Adolfo Vasconcelos, Ana Jorge, Carlos Freitas, Carlos Rodrigues, Cecília Estácio, Délia Melo, Flávio Soares, Francisco Gaspar, Jaime Vieira, João Bruto da Costa, Joaquim Machado, José Leal, Luís Garcia, Luís Raposo, Luís Soares, Nídia Inácio, Paulo Chaves, Paulo Gomes, Paulo Silveira, Paulo Simões, Ruben Cabral, Sabrina Furtado, Salomé Matos (eleitos pelo PSD); Catarina Cabeceiras e Pedro Pinto (pelo CDS-PP); e aos deputados únicos Nuno Barata (IL) e João Mendonça (PPM) para que façam aprovar este projeto de resolução, que mais não faz que reiterar as resoluções da ONU. Numa época em que a lei parece ser a da força, cabe-nos — cabe-vos — defender os direitos humanos e o direito internacional. Estamos atentos. Tenham coragem.