Há algumas semanas, conheci o namorado de uma amiga num jantar. Depois de termos passado bastante tempo a falar de política, perguntou-me: “O que te levou a ter esses pontos de vista?”. É o tipo de pergunta que nos tem feito muita falta.

Cresci confortavelmente, numa família ligada ao PSD, sem a necessidade de pensar em política antes da universidade. Não me faltava nada e não estava atento ao que faltava aos outros. Preocupavam-me apenas as alterações climáticas.

Ao entrar na idade adulta, fui-me apercebendo gradualmente das desigualdades à minha volta. Esse processo agudizou-se em 2019, quando, a estudar na Bélgica, apanhei um autocarro noturno de Milão para Bruxelas. Em Milão, a zona da estação estava nos antípodas da ostentação das galerias — a poucos minutos de metro.

Em Bruxelas, o autocarro deixou-nos numa parte da estação de comboios que desconhecia. Já tinha visto muita gente em situação de sem-abrigo, mas nunca algo semelhante. Centenas de pessoas (incluindo crianças) pernoitavam nos pisos inferiores da estação, entre ratos e um cheiro a mijo insuportável. Chocaram-me contrastes tão profundos no seio da Europa.

Procurei livros que quantificassem os níveis de desigualdade e encontrei O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty, e o World Inequality Report. Comecei a compreender quão absurda é a distribuição do rendimento, quanto dos frutos do trabalho coletivo é apropriado pelos detentores de capital, e como um sistema em que a rendibilidade do capital supera o crescimento económico agrava as desigualdades. Percebi que esta organização económica tende estruturalmente para a concentração da riqueza, pelo que é indispensável que o património seja continuamente redistribuído.

A maioria das objeções que ouvi relativamente a impostos sobre o património são de índole prática: “não há como — os ricos acabam sempre por fugir aos impostos”. Informei-me: li A Riqueza Oculta das Nações e O Triunfo da Injustiça, de Gabriel Zucman, e vim a trabalhar no EU Tax Observatory (EUTO), o centro que ele dirige e que estuda a evasão fiscal global. Compreendi que o panorama atual é radicalmente diferente do de há poucas décadas: graças a acordos de cooperação internacional, é hoje possível saber quem tem o quê. Assim, são viáveis impostos sobre o património. Uma proposta que tem ganho tração é um imposto anual de 2% — pago em dinheiro ou em espécie — sobre patrimónios superiores a 100 milhões de euros.

Entretanto, fui aprendendo sobre o contexto regional e nacional. A nossa região é a mais desigual de Portugal (tanto segundo o índice de Gini como o rácio S80/20) e apresenta taxas de pobreza e exclusão social comparáveis às da Roménia e da Bulgária. E, em Portugal, não temos impostos sobre o património, salvo o IMI, que ignora a maioria dos ativos e não considera dívidas.

Era-me evidente a necessidade de me tornar mais politicamente ativo e de tentar inverter o paradigma fiscal: aliviar os impostos sobre o consumo e sobre o trabalho e compensar a receita tributando o capital. Em 2023, passei a militar no Bloco de Esquerda por ser o único partido presente no parlamento regional que encara a tensão entre o trabalho e o capital e faz da redistribuição uma prioridade. É um espaço plural, de debate e solidariedade. É um veículo para que as nossas ideias possam ir a votos e tem sido, pela dedicação dos meus camaradas às causas que nos movem, uma fonte de inspiração.

Depois de um ano e 28 textos nestas páginas, fica aqui a resposta pública à pergunta que me fizeram em privado. É uma pergunta que adotarei.

Estas desigualdades absurdas subsistem por opção, por conivência. Chega. Façamo-nos ouvir.

PS: Por motivos profissionais e de desgaste, este será o meu último texto em 2025. Abraço e até breve!