[draft] Renda para toda a gente
Recentemente, deparei-me com um placard publicitário de uma plataforma de investimentos financeiros. O slogan era “Onde o seu dinheiro trabalha para si”. Nada que nos surpreenda: estamos habituadíssimos a que o dinheiro renda — trabalhar não é, de todo, o verbo certo — mais dinheiro. No entanto, só rende para alguns. Há quem receba — por via de juros, rendas e dividendos — valores que equivalem a vários salários, enquanto a maioria trabalha para os sustentar. É injusto, mas solucionável.
O capital rende porque as taxas de retorno da generalidade dos investimentos ultrapassam, em muito, aquelas que seriam necessárias para que o risco valesse a pena. Isto significa que as pessoas são remuneradas por ter: por ter dinheiro no banco, por ter ações de empresas, por ter imóveis a render.
Na sociedade portuguesa, alguém no percentil mais rico tem 50 vezes mais do que a generalidade das pessoas — e metade das pessoas não tem praticamente nada. Assim, há quem tenha capital suficiente para viver confortavelmente de rendas, sem ter de trabalhar. É este o grave problema de parasitismo social que temos nos dias que correm: grande parte dos frutos do suor dos trabalhadores é desviada para os bolsos dos herdeiros, dos financiadores, dos donos disto tudo.
O sistema vigente tem um nome: capitalismo. Desengane-se quem considera que a característica principal do capitalismo é a existência de mercados ou de iniciativa privada. Ambos precedem o capitalismo: já existiam quando os portugueses andavam pelo mundo traficando escravos. Ambos terão o seu lugar no sistema económico mais justo que virá. Fundamental no capitalismo é que quem trabalha paga uma renda a quem tem. Consequentemente, quem é muito rico recebe de renda mais do que aquilo que gasta, num ciclo de acumulação de capital que consegue resistir a um nível de consumo desmesurado. Isto num mundo com recursos finitos e enquanto persiste a fome.
É exatamente esta transferência sistemática de fundos dos bolsos da maioria trabalhadora para os bolsos da minoria proprietária, reforçando a precariedade dos primeiros e o privilégio dos segundos, o mecanismo fundamental do capitalismo. Na minha ótica, ser-se anti-capitalista não se trata de ser contra o capital — que mais não é que os próprios meios de produção. Tampouco se trata de se ser contra iniciativa privada — mal estaríamos se os preços dos cortes de cabelo fossem tabelados, ou se fosse decretado quem pode e quem não pode fazer disso profissão. É, simplesmente, ser-se contra este fluxo contínuo do capital para os ricos, em detrimento dos restantes, num ciclo que se reforça a si mesmo. É defender os trabalhadores — incluindo empreendedores — do parasitismo praticado pelos poucos donos do grande capital.
Felizmente, este sistema económico não é uma lei da Natureza. É uma construção nossa, que até trouxe vantagens relativamente ao sistema que o antecedeu em Portugal. Mas tem problemas fundamentais, que se foram exacerbando com o decorrer do tempo — o que era previsível tendo em conta o seu funcionamento — e com a substituição de um capitalismo moderado pós-guerra pelo capitalismo selvagem que se seguiu.
Urge ir pondo em prática um sistema melhor: um em que os ganhos de produtividade que advêm do capital resultem na melhoria das condições de vida de todos; em que o direito que toda a gente tem a uma vida digna — com educação, saúde e habitação — se sobrepõe ao capricho a ter um mega-iate.
Caminharemos nesse sentido redistribuindo, pacífica e democraticamente, o capital. O foco deve estar no património de quem, servindo-se do trabalho de outrem e dos recursos de todos, acumulou muitos milhões.